sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Em maior crise hídrica de sua história, São Paulo sofre com a possibilidade de racionamento

Apesar do momento delicado, bairros da capital estão sob condições diferentes de abastecimento

CARLOS HENRIQUE
Direto de São Paulo

O Papai Noel deve ter estranhado os pedidos encaminhados pelos paulistas neste ano. Sugestão que poderia - e deveria - ser enviada para São Pedro, a chuva com certeza foi um presente muito requisitado pelos moradores de São Paulo. A crise hídrica que o Estado vem vivendo [já registrada como a maior da história] tem alterado a rotina de milhões de pessoas.

O problema começou em julho, quando o Sistema Cantareira, que abastece cerca de nove milhões de pessoas da capital paulista e da Grande São Paulo, além de cidades do interior, zerou o chamado “volume útil”, que é toda a reserva de água acumulada acima do nível das comportas. A reserva técnica, ou “volume morto”, é a água que fica abaixo do nível das comportas e é a que vêm sendo usada para o abastecimento da população desde então. Aumentos no nível do volume morto do Sistema Cantareira não eram registrados desde abril, quando, na terça-feira [23], o nível subiu para 6,7% e nesta quinta-feira [25] chegou a 7,2%. O Cantareira é administrado pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo [Sabesp].


Sistema Cantareira no nível mais baixo de sua história 
[Foto: G1]

A falta de chuvas entre outubro de 2013 e março de 2014 é, segundo o oceanógrafo José Galizia Tundisi, a maior explicação da crise hídrica que vive São Paulo. Apesar da opinião do pesquisador, o governador do Estado, Geraldo Alckmin, tem sofrido fortes críticas por conta dessa situação. Entre as acusações, reclama-se do uso político da crise, uma vez que para se reeleger este ano, Alckmin foi acusado de negar um possível racionamento. Além disso, oposicionistas ainda o acusaram de falta de planejamento.


Para gerar ainda mais controvérsia sobre a questão, o Governo de São Paulo anunciou na última semana uma sobretaxa para quem aumentar os gastos com a água. Chamada de “tarifa de contingência”, a aplicação visa diminuir o risco de um colapso no abastecimento. Para quem aumentar o consumo em 20%, será aplicada uma taxa de também 20% na conta final. Quem passar desse número ganhará um acréscimo de 50% no final do mês. Os aumentos terão base em uma média de gastos dos usuário que será medida entre fevereiro de 2013 e janeiro de 2014.


Na capital paulista foi possível observar algumas diferenças quanto à distribuição das águas. Nos bairros do Cangaíba e Tatuapé, ambos situados na zona leste da cidade, a situação se diferencia um pouco. O primeiro, habitado por pessoas de classe média baixa, não têm sofrido com cortes na água durante o dia, diferentemente do Tatuapé, bairro de classe média alta onde os moradores reclamam sofrerem de interrompimentos no fornecimento.


Dona Marli Loren, 72, Sueli Arruda, 39, e seu esposo, Edgar Arruda, 43, moradores do Cangaíba, relataram que o fornecimento de água tem sido normal há, mais ou menos, três meses. Edgar conta que durante o período de cortes, a paralisação no fornecimento da água acontecia às terças e quintas, “lá pras 20h e só voltava no outro dia de manhã”. O senhor, que estava visitando a mãe, dona Marli, relata que não sofreu problemas com o corte, pois a caixa d’água da casa supre qualquer eventual necessidade. Ele ainda relatou que tem certo descontentamento com a Sabesp por conta da sobretaxa. “Não tenho mais onde economizar”, desabafa.

No Cangaíba, o abastecimento está normalizado 
[Foto: Carlos Henrique]

As aposentadas Mercedes Batista, 61, e Maria de Lourdes, 70, têm opiniões parecidas sobre a situação. As duas, que também são do Cangaíba e não têm sofrido com cortes, acreditam que a situação apenas reflete uma crise global de escassez de água. Dona Maria conta que, apesar de dura, a crise que São Paulo vive está proporcionando uma reflexão entre a população. “As pessoas estão tomando consciência [de que a água é um bem raro]”, afirma. Dona Mercedes fala que desde o começo vêm diminuindo seu consumo e que, por exemplo, reutiliza a água com que lava a roupa para limpar o quintal. A aposentada Maria ainda confessa que defende a sobretaxa porque, para ela, “algumas pessoas só se dão conta do problema quando sentem no bolso”. A simpática senhora ainda relata para a amiga Mercedes uma curiosidade que aprendeu: “as pessoas conseguem viver um mês sem comer, mas sem água, elas não duram três dias”, conta.


No bairro do Tatuapé, o operador de telemarketing Antonio Neto, 39, relata que desde o começo de dezembro sua água tem sido cortada, diariamente, mais ou menos às 21h. Morando com mais quatro pessoas em sua casa, ele afirma que planeja suas atividades diárias por conta da paralisação do fornecimento e que, apesar disso, não sofre grandes transtornos. Sobre a cobrança que será feita de quem aumentar os gastos com a água, Antonio é totalmente contra. “Você já paga impostos, agora irá pagar ainda mais por um serviço que é obrigação do governo fornecer”, afirma. Apesar de discordar da sobretaxa, ele afirma que sua conta vem sempre no mesmo valor. Morando a vida inteira em São Paulo e, especificamente, no Tatuapé, ele fala que espera que até o Natal de 2015 a situação se normalize, mas que está “esperando para ver no que vai dar”.
 
No bairro do Tatuapé, o interrompimento do fornecimento da água acontece no final da tarde 
[Foto: Carlos Henrique]


Outra moradora do Tatuapé que não é muito afetada pela crise é Rosa Martin, 79. Ela mora sozinha e planeja muito bem sua rotina. Dona Rosa afirma que desde sempre manteve o hábito de reutilizar sua água, inclusive, para dar banho em seus dois cães, suas únicas companhias. Ela afirma que percebe que o interrompimento no fornecimento de água começa, mais ou menos, às 17h. Sem grandes problemas com a sobretaxa, a senhora conta que gasta cerca de R$ 20 mensais, mas que acaba tendo que pagar R$ 30, que é a quantia mínima cobrada pela Sabesp.


Entre ameaças de racionamento, cortes diários de fornecimento de água e sobretaxa para quem demorar no banho, ainda foi possível flagrar pela capital paulista pessoas desperdiçando água. Por não ter a mesma habilidade de um paparazzi, não consegui registrar dois momentos em que foi possível verificar cidadãos lavando sua calçadas com mangueiras como se nada acontecesse em São Paulo. No final das contas, não sabemos se a culpa é de Alckmin, São Pedro, Sabesp ou de quem desperdiça água como se o bem, indispensável à vida, desse em árvore. 


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