sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Um intercâmbio de amor, cultura e alegria: África-Brasil

Dica: Leia ouvindo Axé Odô ou Canto para Oxum ou ainda A deusa dos Orixás. Boa leitura :)

JHENIFER HEINRICH

A existência da escravidão no Brasil durante quase 400 anos, além de ter constituído a base da economia material da sociedade brasileira, influenciou também a formação cultural. E quando se fala de cultura, não tem como não pensar em música. E ela vem como a expressão de liberdade que a cultura negra possui, e isso foi impresso na cultura brasileira que persiste, entre “trancos e barrancos” até hoje no Brasil.

Rita Domingues é
professora de Música e
doutoranda no Ecco.
[Foto: Jhenifer Heinrich]
Para a professora de música Rita Domingues, a influência da música negra no brasil é muito rítmica e permeia a música popular brasileira em 90%. Além disso, influenciou também a nossa música erudita. Novidade? A primeira música com a presença nítida da cultura africana é a música “Batuque”. A professora cita ainda o Movimento do Nacionalismo, na Semana de Arte Moderna, a cena erudita brasileira em que os artistas procuravam usar questões que sinalizassem o Brasil. É aí que a música africana entrava, além de ser precursora do samba, claro.

Augusto Krebs é músico e
compositor.
[Foto: Arquivo pessoal]


Para o músico e compositor, ex-aluno de Música da UFMT, Augusto Krebs, “nossa música se distingue da música de outros povos pela mistura que acontece aqui. E é lógico que a música africana, que veio aportar através das práticas religiosas nos terreiros embalados por rituais cheios de dança e música vigorosa, é perceptível em praticamente tudo que é música feita por aqui. O mesmo ocorreu com a música europeia, chegou aqui através da religião, mas é interessante que a música trazida pelo povo africano carrega uma força sem igual, talvez por tentar traduzir sonoramente a força das divindades do panteão africano. O Brasil é negro, a África está entranhada nas células rítmicas, nos motivos melódicos da nossa música”. 

O africano faz festa. Esta é sua característica: sua alegria. Em relatos históricos e lembranças dessas pessoas vindas da África, é clara essa “cultura da festa”. Cortejos de Reis são festa na África, a passagem para a puberdade é festa, o trabalho é festa, no final do dia tem festa. E o brasileiro herdou isso, não é à toa que somos vistos como um dos povos mais “quentes”, alegres e receptivos o mundo. Em Cuiabá mesmo, se caminharmos no centro da cidade percebemos a presença de algumas dezenas de senegaleses que trabalham como ambulantes ouvindo música africana, muito parecida com o axé da Bahia. Na África, os cortejos de “reis do Congo”, na forma de congadas, congados ou cucumbis, influenciaram a espetaculosidade das procissões católicas do Brasil colonial e imperial, constituíram, certamente, a velocidade inicial dos maracatus, dos ranchos de reis (depois carnavalescos) e das escolas de samba – que nasceram para legitimar o gênero que lhes forneceu a essência do Brasil.  
Segundo Nei Lopes, escritor, compositor e pesquisador de música popular brasileira, as matrizes africanas que contribuíram para moldar a cultura e a música brasileira passam das congadas ao samba, pelos afoxés e blocos afro, onde a presença de elementos musicais e religiosos provenientes da África é marcante na nossa história, como ainda hoje se evidencia nas escolas de samba e nos sambas-enredo. Mas atualmente se constata também uma progressiva desafricanização da música popular brasileira, o que aponta para o fenômeno da globalização do gosto. Mas, da mesma forma que essa “desafricanização” ocorre, vários grupos formados por africanos e não africanos se unem para não deixar morrer, literalmente, a cultura africana no Brasil, tão importante para definir o que é o Brasil hoje. Irônico, né? Fazer parte da origem da cultura brasileira e estar “sumindo”...
O Coletivo Negro Universitário UFMT é um desses grupos. Idealizado na Universidade Federal de Mato Grosso, campus Cuiabá, o grupo se reúne frequentemente e faz ações de resgate à cultura afro. Haitianos, africanos, brasileiros, todos fazem parte do conjunto que leva dança, música, história e poesia para quem quiser ver e sentir essa arte e esse amor. Segundo Zizele Ferreira, coordenadora do Coletivo, o propósito do grupo é tratar de "Consciência" enquanto aspecto político. “A Consciência negra é fruto gerado por ações antirracistas e a partir de relações sociais estabelecidas por processos históricos diferentes e coletivos. Além de estudantes africanos de diversos países, temos hoje haitianos residentes em Cuiabá celebrando a independência de seu país e outras frentes negras da nossa universidade.”

Ao ouvir “Quilombo Axé” da banda Afoxé Oyá Olaxé, é nítida a presença do nosso samba. Tão africano e tão brasileiro. O agogô, de origem africana, é um dos instrumentos característicos do samba brasileiro. Veja vídeo. Representando a dança, luta e música africana temos a capoeira. Veja o vídeo de um grupo de capoeira de Cuiabá-MT.

Dá pra comparar?
Se formos falar de música atual africana e música atual brasileira e traçarmos um paralelo, olha só o que a gente encontra:

Música brasileira de 2006: https://www.youtube.com/watch?v=6QKk5gU-CDI
Música brasileira de 2000: https://www.youtube.com/watch?v=K0XfjhNXM_c
Música brasileira de 2011: https://www.youtube.com/watch?v=-zphtZzsSl4

Música brasileira de 1996: https://www.youtube.com/watch?v=n8QJrkIghaY

Tanto o som quanto a dança, são muito parecidos! Isso é apenas um resquício da influência do intercâmbio África-Brasil. “Se tentou, através dos tempos, forçar uma colonização do pensamento. Na música, até hoje, se tenta isso de forma muito frequente. Só que hoje temos um eufemismo para isto: denominamos a questão como sendo mercadológica, midiática e outros nomes e termos acadêmicos bem bonitos, mas isso não muda o fato de que existe uma tentativa de se adestrar, docilizar o pensamento para obedecer a determinadas formas e concepções de realidade, de mundo. O mesmo não ocorreu com a música brasileira. Ela agrega tudo e o todo que for possível. A música brasileira abraça as causas, mas tem o vocabulário africano como elemento primário, a mãe África que abraça seus filhos desde o princípio dos tempos”, conclui Gustavo Krebs.

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