quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Trotes Universitários: brincadeira ou violência velada?

HELEN RAQUEL

                                                                 Trote do curso de Comunicação na UFMT - 2014/1                                                           [Foto: Helen Raquel]

Os alunos estudam, em média, 12 anos para alcançar o objetivo de entrar em uma universidade. Os três últimos anos são os mais difíceis e decisivos, pois nesse período eles precisam decidir o curso que pretendem fazer, se preparar para o Exame Nacional do Ensino Médio [ENEM], formatura, se despedir dos colegas, para só então entrarem em uma universidade.

Após todo este processo delicado são recebidos com os famosos trotes. Na Universidade Federal de Mato Grosso [UFMT] o “trote” violento não é permitido dentro do campus. O que acontece é uma recepção com algumas ações praticadas no trote, como pintura no corpo, algumas brincadeiras, e canções específicas de cada curso são cantadas pelos novos alunos, enquanto os veteranos fiscalizam, e a UFMT promove palestras. Esta é a versão oficial. Porém não é tudo tão simples como parece. 

Alguns alunos se sentem constrangido com esse tipo de brincadeiras, com os gritos e xingamentos que são feitos, e a pior parte acontece fora da universidade. Os calouros vão para a avenida, pintados, pedir dinheiro aos motoristas para os veteranos consumirem bebidas alcoólicas. O trote não é obrigatório, mas ao ouvirem ameaças, como “não vamos falar com você”, “não vamos te ajudar”, “vamos te excluir das festinhas”, sentem-se intimados a participar, e alguns participam por não verem problemas no trote.

                                                               Trote do curso de Comunicação - UFMT 2014/1.                                                               [Foto: Helen Raquel]


Segundo Allan Ferreira [nome fictício], que passou para o curso de engenharia florestal da UFMT, campus Cuiabá em 2012, na sua época de calouro “foram vários trotes. O último foi o mais abusivo. Tivemos que andar de "elefantinho" até uma praça do Boa Esperança ouvindo diversas humilhações. Nessa praça, havia diversos veteranos que começaram a jogar ovos na gente. Depois, passamos jenipapo uns nos outros... Faz parte desse rito de passagem. Mas o pior foi uma mistura com comida podre, peixe podre, vísceras, um monte de coisa estragada! Nos falaram que também tinha vômitos e urina naquilo. Era extremamente podre. Alguns colegas passaram mal”. Toda esta mistura foi jogada nos os calouros. Allan relatou que não era obrigatório participar do trote, mas a pressão psicológica era muito grande. Ele lembra que em um dos outros trotes, foram todos levados para uma das salas do seu bloco. "Tinha uma mesa no centro da sala e muita gente. Cada calouro ficou em pé na mesa. O resto dos veteranos ficava batendo nos armários gritando 'bebe!' 'bebe!' um copo de pinga". E novamente mais estudantes passaram mal.

A aluna Angela Flavia Oliveira cursa agronomia no Instituto Federal de Mato Grosso [IFMT], campus São Vicente. Ela não teve problemas com o trote. Fizeram festa de boas-vindas. "O trote foi saudável. Acho que beber leite azedo e comer ovo cru faz bem pra saúde. E passar halls de boca em boca, também [risos]. Não teve nenhum tipo de bebedeira obrigatório. Nem nos jogaram óleo queimado. Então, acho que têm trotes muito piores por ai". Ela comentou que ninguém se recusou participar ou se sentiu ofendido.

O trote é considerado tradição universitária. Entretanto, às vezes, mascaram agressões verbais, físicas, humilhações e bullying. No mês passado, um caso em específico chamou a atenção: uma adolescente de 17 anos sofreu queimaduras de terceiro grau nas pernas. A aluna cursa pedagogia em São Paulo. Um outro aluno da mesma instituição foi atingido no olho pelo mesmo líquido e corre o risco de perder a visão. Trotes violentos acontecem há muitos anos. Mesmo as universidades proibindo, eles continuam a acontecer, dentro e fora de seus espaços.

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